Mentiras poemizadas

Natali Carvalho
1 min readJul 24, 2022

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Na escada do seu condomínio deixei que tu passasses primeiro. Era um hábito meu te deixar ir antes, quase como um sonoro: pode me deixar que mesmo assim te verei indo para te proteger. Quando chegou o dia do fim, eu já sabia dele.

Não fui pega desprevenida como muitos acharam, te senti indo embora todas às vezes que me deixou te ver indo primeiro. Quando silenciou, quando se afastou, quando procurou outras, e eu atenta. Sabendo que logo mais eu também passaria pela escada, mas dessa vez, tu não estarias na porta.

Para ser bem sincera, isso não me magoou como pensei que magoaria, nem durou tanto quanto julguei que duraria. Foi tão rápido quanto o clicar das teclas agora, e mesmo assim, não queria te ver indo, mas vi. Hoje continuo te vendo distante e a sensação que dá é que nunca estivemos no mesmo ambiente, nem mesmo casualmente, quando você ocupa o mesmo ônibus, a mesma sala de espera, a mesma fila, a mesma cidade.

Parece que nunca fomos nós e isso é bom — para mim, e suponho que para você também, afinal foi quem quis o fim. Entre o acender e outro do cigarro nos dedos, o barulho do isqueiro é tão comovente quanto tuas palavras já foram.

Acredito que no final a gente se engana mesmo sobre o que nos toca, só para podermos ter meia dúzia de poesias para o futuro.

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