As coisas que “são” e que não quero que continuem sendo

Natali Carvalho
2 min readJun 27, 2020

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Sempre me questiono até onde eu iria se tivesse condições mais favoráveis para isso. Sempre me pergunto se isso é ou não questão de esforço ou de sorte. As vezes tenho certeza que é mais um que o outro, então eu volto atrás. Como pode ser mais um que o outro se ambos parecem andar lado a lado?

Tenho os olhos marejados, mas sinto que são mais pelo cansaço do que pela tristeza. Em algum lugar ou momento da minha vida, eu me quebrei de uma forma irrecuperável. Fico torcendo para que em uma das minhas sessões de terapia eu consiga encontrar exatamente esse momento, e talvez o véu se rasgue e eu finalmente possa compreender o momento exato que eu deixei de ser quem eu deveria ser hoje.

Oxalá, quem sabe eu não leve mais tanto tempo para que as partes quebradas sejam delicadamente encaixadas — não peço para que sejam coladas, sei que é impossível após as várias tentativas de reuni-las — mas anseio para que sejam encaixadas, embora, mesmo com as distâncias de milímetros de cada pedaço. Mas quero a sensação de que mesmo quebradas, elas possam ainda representar um todo e não meramente pedaços acumulados.

Não tenho certeza se esse dia chegará, nem mesmo se eu quero que ele chegue. Isso de querer que as coisas se ajeitem, mesmo que não haja mais solução é uma coisa que todos buscamos, sempre queremos reunir os pedaços, transforma-los em algo que já foram ou mesmo algo que possa representar o recomeço.

Talvez, o que eu precise mesmo seja recolher todos os pedaços, embala-los para que não machuque mais ninguém e pôr no lixo. Mesmo que eu goste bastante desses pedacinhos, pelos que representaram quando ainda eram inteiros, e pelo que significaram após quebrados: bússola e identidade. Acredito que no fim, inteiros ou não, sempre os assumi como guia e personalidade.

Após todos esses anos me machucando com os pedaços, está na hora de me desfazer-se deles, pra que não haja mais cortes em mim ou nos que amam. Eu tenho medo de perder o senso de direção, após todos esses anos meus pedaços terem me guiado. O que mais me incomoda, é que eu sei que não vai ser um adeus fácil, e que em algum momento eu vou vasculhar pela casa para ver se sobrou algum pedacinho por ai.

Mas eu sei que preciso de algo novo — inteiro — que possa ser quebrado no meu processo de crescimento e não colado repetidamente, pela insistência invisível de que as coisas que são continuem sendo.

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